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TIRANIAS DE ALGIBEIRA

            Opressor, déspota, aquele que abusa da autoridade para vexar os que dele dependem, é o que encontramos por aí, e também no dicionário, e cada vez mais aqui e ali, como se de um elemento natural se tratasse, como as heras que ofuscam a beleza da natureza que cobrem, também aquele espécime tolda a força da democracia. Pequenas incubadoras onde, num nicho de medo e opressão, fermentam pequenos tiranos de algibeira, daqueles que nem numa carteira da feira da ladra teriam lugar mas que se fazem enraizar nas profundezas da fragilidade humana, nas vazias cavernas da Lei. São uma espécie indiferenciada, de estatura média, habitualmente afáveis e prestáveis, capazes de numa prometida bondade adiada oferecer responsabilidade, compromisso, perspetiva de futuro àqueles mais incautos que hipotecam num cheque em branco a miragem de um amanhã a troco do presente agrilhoado em plumas. O Estado de direito tem-se delegado enquanto subescritor tácito dos direitos e ativo legislador dos de

O OUTONO

            Chegou o Outono, a terna estação que nos conforta do êxtase do verão e nos afaga a alma para a austeridade do inverno. És conciliador, és moderado, és a força da juventude e a beleza da idade. Os verdes revigoram-se no dourado brilho do sol, no seu crescente crepúsculo, sorrindo para um novo ciclo de esperança, acenando saudosos para um novo amanhã. Os castanhos, esses, agora aveludados, nas suas rugas se engelham com a expressão madura da tolerância, o olhar suave dos tempos fixado num horizonte ao entardecer. És tu Outono, ponderado e mediador nesse equinócio que restabelece a temperança do equilíbrio entre a intensidade da luz e a extensão da sombra, pois se no breu nada se vê, também na claridade excessiva pouco se enxergará. Tu, Outono, és o raio que intercala as nuvens, que irrompe a nébula e nos promete a vida. És o desassossego quando o chilrear dos pássaros se volta a confundir com os sons das crianças, desses espíritos livres que regressam às escolas. Cantarolam,

A ORGÂNICA DA MOBILIDADE

            Relatava Eça de Queirós, em Coimbra de Antero , o entusiamo e novidade que a evolução na mobilidade representava à época, «pelos caminhos de ferro, que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha, torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários… Cada manhã trazia a sua revelação, como um Sol que fosse novo». Foi uma revolução para a sociedade da época, o caminho de ferro era o expoente da mobilidade, e não só, ia mais além do transporte de meros corpos, transportava tendências, transportava cultura, transportava mundividência, transportava a (re)evolução. A ferrovia transformou-se num fluxo orgânico de um organismo maior, superior, a organização social e a sua natural interdependência. Compreendemos o retrocesso que nos foi possível alcançar até aos dias de hoje, em que a descrição apresentada por Eça, não passa agora de um retrato a preto e branco de uma imagem distante. Se concebermos

Gerações

  Faia-da-terra ou Samouco, espécie nativa da Macaronésia, é um grande arbusto, ou pequena árvore se preferirem, encontramos um pouco por aqui e por ali e eu encontrei-me com ela, ou talvez ela me tenha encontrado, ali, pela Mata Nacional do Choupal. Retém em si a beleza comum a qualquer outro elemento, talhado pelas mãos da natureza, em que cada detalhe é levado ao pormenor, onde nem acaso, nem coincidência conspiram, e o destino inspiram. E se para a Mãe natureza somos todos seus filhos, como gémeos desiguais, em suas particularidades caracterizantes que permanecem particularmente iguais, aos olhos da sua Mãe, também as diferentes árvores manifestam entre si especiais semelhanças. São traços de uma vasta personalidade que a natureza dispersa pelos seus rebentos e a tornam tão diversa e tão igual na sua harmonia social, na sua espontânea perfeição. O samouco que ali permanece, em seu típico silêncio, da sua altura, da sua plácida imobilidade, trova mais do que aquilo que ensaia. E

O ERRO DOS RECURSOS HUMANOS

              As conceções contemporâneas e designadamente as importações extemporâneas, ou até mesmo exóticas para algumas realidades, têm conduzido a alguns mismatch na praxis , a uma divergência crónica entre o expectável e o real. Naturalmente muito se poderia aqui encaixar, despertando-me para o efeito, especial atenção, o erro dos recursos humanos. Se o erro, como irei expor, terá raízes mais profundas, também à superfície adivinhamos desde logo na aceção de Recursos Humanos a inquinação deste mesmo conteúdo. Algo de valor superior, que atenta ao valor humano, o alento das organizações, falo naturalmente do espírito e dote genuíno de cada homem e mulher, pois do que seria das organizações se delas, por elas ou para elas excluíssemos a vocação humana? É precisamente aqui, ou melhor dizendo, nos recursos humanos que encontramos o então calcanhar de Aquiles, quando é retirada a essência desta conceção e se instrumentaliza, isto é, transforma-se numa ferramenta, num departamento, nu

A ENXADA VELHA

  No lugar onde vivo, terra de gentes do campo, dois homens, de imortal saúde, dedicam-se à arte agrícola. Desde os seus 10, 11 anos, talvez, idade que os calos e as rugas já deixaram de precisar, cada um em sua bicicleta, emprestadas por seus pais, senhores da pastorícia e da lavoura, como dois irmãos, pedalavam de aldeia em aldeia. Pouco mais ofereciam que a moldura de um corpo pronto a ser talhado, na dureza dos tempos, e as mãos tenras que se esculpiam nos caprichos da natureza. Prometiam outros feitos mas prometidos aos afetos, da experiência, confiou-se-lhes fiel amiga, a enxada, a que juraram eterna obediência. Apenas ela os separava, e apenas ela os unia, à mãe das mães, à filha de uma vida. Nasceram premeditados e de contrato com o destino já assinado, restava-lhes cumprir, religiosamente, cláusula única, igual à de tanta outra gente. Deitados à mesma sorte, sem nunca o prejuízo contar, de olhar benjamim, o mesmo que conservam, além dos anos, revela o tímido sorriso que gu

IDEOLOGIA DA IGNORÂNCIA

 (Dirigido à redação do Diário de Coimbra, e posteriormente publicado) Exmo. Sr. Diretor, Escrevo-lhe como desabafo, como manifestação da minha preocupação. Também não espero que a apazigue, antes sim que a compreenda. E então já seremos dois. A união faz a força… era o que se dizia! E será assim, com essa mesma força que vamos livremente fundar uma ideologia, de bem ou de mal, sim, percebeu corretamente, de bem ou de mal. Se de bem é meritória, se de mal aperfeiçoamo-la. Pois o bem e o mal são coisa nossa, de homens e mulheres, e não de ideologia alguma. Se os maus lhe chamarem de boa, convertamo-los, se os bons a chamarem de má, acolhamo-los. E aqui descanso em paz!                Fundámos assim uma ideologia, chegámos primeiro, antes que ela se fundasse em nós. Para tal era necessário que não fossemos nem de bem nem de mal, sempre é melhor sermos alguma coisa que coisa alguma. Pois em quem não é coisa alguma, sempre se põe alguma coisa e essa coisa pode então já ser de bem ou de