Gerações
Faia-da-terra ou Samouco, espécie nativa
da Macaronésia, é um grande arbusto, ou pequena árvore se preferirem,
encontramos um pouco por aqui e por ali e eu encontrei-me com ela, ou talvez
ela me tenha encontrado, ali, pela Mata Nacional do Choupal.
Retém em si a beleza
comum a qualquer outro elemento, talhado pelas mãos da natureza, em que cada
detalhe é levado ao pormenor, onde nem acaso, nem coincidência conspiram, e o
destino inspiram. E se para a Mãe natureza somos todos seus filhos, como gémeos
desiguais, em suas particularidades caracterizantes que permanecem
particularmente iguais, aos olhos da sua Mãe, também as diferentes árvores manifestam
entre si especiais semelhanças. São traços de uma vasta personalidade que a natureza
dispersa pelos seus rebentos e a tornam tão diversa e tão igual na sua harmonia
social, na sua espontânea perfeição.
O samouco que ali
permanece, em seu típico silêncio, da sua altura, da sua plácida imobilidade, trova
mais do que aquilo que ensaia. Ele exibe-se radiante, em suas verdes folhas,
frescas e acabadas de brotar, aos primeiros raios de sol, ao alvorar. Cobre-se
de ouro, ofuscando o verde escuro de uma jovialidade esquecida, o aroma de um
perfume maduro. Nada incomum, melhor dizendo, algo bastante próprio, no reino
das plantas as novas folhas as resplandecerem, protagonistas de uma necessária
renovação, são o equilíbrio de uma geração, gerações.
Cada folha é assim
um órgão, de um organismo maior, desempenhando funções e apresentando formas
diferentes, contudo, contribuindo sinergicamente para um bem comum, o mesmo que
numa perfeita simbiose as prende à sua singular existência, ao seu ser, à pessoalidade
única que faz desta uma folha diferente daquela. As folhas contribuem assim
para a respiração, transpiração, reserva de nutrientes e até defesa, sustentando
e sendo sustentadas pelo sistema caulinar, numa reciprocidade fraternal.
Está assim, no seu
brilho, a beleza da juventude e a força do sonho que avançam pelo caminho
calcado na sabedoria das velhas folhas, em profunda união, as novas tomam a
dianteira, a sua epiderme nutrida é espelho de uma saudável clorofila, abrigo
do xilema e do floema que palpitam à velocidade de um coração, em êxtase, que
expulsa esse sumo vital, a vida. Recém-chegadas sustentam paredes celulares
flexíveis, aptas a encarar novos desafios e toda uma virtuosa estrutura
orgânica capaz de desempenhar novas funções com um sorriso e a esperança na
cor. Já as outras, as folhas de um verde mais escuro, recuam, resguardam-se,
protegidas das intempéries de outrora, oferecem o seu lugar abrindo caminho com
a mesma tolerância dos seus órgãos, numa permeabilidade relacional que faz
vigorar a inocência das folhas novas.
Falam muitas
línguas, trocam até impressões com as abelhas, cumprimentam as borboletas e
acenam aos melros, dançam ao vento, choram à chuva e voltam a erguer o olhar ao
céu azul, tal como outrora, a velha folha, agora encosto amigo que tranquiliza
o interior da faia-da-terra, filtra o ruído das assembleias de pássaros e
acalma as paixões com a frescura da sombra, como o conforto dos abraços.
O samouco cresceu, e enquanto crescia cada folha competia, era o pêndulo da vitória e da derrota, da eternidade prometida, da efemeridade desconhecida, e agora já não cresce, já não cresce mais quanto queria e estas já não são as folhas que conhecia, hoje elas cooperam e existem, têm memórias, e o samouco vive e resiste, dia após dia, com folhas novas, com novas histórias.
por Filipe Cortesão
Top. Fantástico!
ResponderEliminar