O ERRO DOS RECURSOS HUMANOS

             As conceções contemporâneas e designadamente as importações extemporâneas, ou até mesmo exóticas para algumas realidades, têm conduzido a alguns mismatch na praxis, a uma divergência crónica entre o expectável e o real. Naturalmente muito se poderia aqui encaixar, despertando-me para o efeito, especial atenção, o erro dos recursos humanos. Se o erro, como irei expor, terá raízes mais profundas, também à superfície adivinhamos desde logo na aceção de Recursos Humanos a inquinação deste mesmo conteúdo. Algo de valor superior, que atenta ao valor humano, o alento das organizações, falo naturalmente do espírito e dote genuíno de cada homem e mulher, pois do que seria das organizações se delas, por elas ou para elas excluíssemos a vocação humana? É precisamente aqui, ou melhor dizendo, nos recursos humanos que encontramos o então calcanhar de Aquiles, quando é retirada a essência desta conceção e se instrumentaliza, isto é, transforma-se numa ferramenta, num departamento, numa prestação de serviço, um corpo estranho a si próprio, à sua verdadeira orgânica.

            A desvalorização do seu mais-valor, nas diferentes tipologias de organizações, o fator humano, reflete-se na desassociação, em alguns casos alienação, de uma efetiva gestão dos Recursos Humanos, departamentalizando, comercializando como objeto de negociação, e por vezes abandonando órfão toda uma função nuclear a qualquer estrutura institucional e empresarial.

            Aceita-se assim de ânimo leve, externalizando responsabilidades, lavando as mãos de uma conduta ética e humana, a desumanização emergente da cronicidade existente na difícil relação entre trabalhador e empregador.

            Observa-se, pois, uma roleta russa que se inicia no processo de recrutamento, prossegue a sua perigosidade nas primeiras semanas de relação contratual, entre as partes, e se encerra tragicamente para ambas quando uma delas sucumbe perante um jogo, erradamente, de vida ou de morte.

            O abandono, a desistência, ou conflito entre trabalhador e empregador, é um processo de rompimento, desgaste mecânico e emocional, materializado nos custos incorridos pela entidade empregadora em toda a cronologia desde o recrutamento à contratação mas também dos profissionais envolvidos, que absorvidos pelo embrenhamento burocrático de outras matérias impostas, veem frustrados os seus métodos e capacidades avaliativas. Este carpear disfuncional resulta numa perda maior, uma perda social, decorrente desta ineficiência estrutural, nada menos pela desmotivação, fracasso pessoal, rastilhando uma implosão anímica daquele cujas expectativas defraudadas conduzem, muitas das vezes, a um desemprego emocional de repercussões fraturantes, o trabalhador.

            Se de um sintoma esquecido tratasse jamais se poderia ignorar a causa, não de somenos importância, que se realiza na negligência absorta das políticas de gestão e liderança, adotadas em parte das pequenas empresas pela ausência de personalidade orgânica de recursos humanos, resumidos a uma ermida do processamento de salários, controlo de assiduidade e férias, como também nas médias empresas que encetam modelos de recrutamento e formação com alguma sofisticação embora completamente alheios à identidade corporativa, delegados a empresas de recrutamento, anulando o diálogo elementar, obrigatório, entre a matéria e o espírito. As entidades empregadoras de maiores dimensões não escapam a este fenómeno, tentando contorná-lo habilmente, apostam agora numa estratégia de centralização dos departamentos de recursos humanos, paradoxal à cultura vigente das grandes organizações, como também dos alinhamentos políticos que se auscultam no debate público. Resumem a um mero objeto de gestão todo o capital humano da organização, ao instrumentalizar e ao desumanizar os alicerces coletivos até ali edificados, fruindo da ligeireza financeira e impessoal do corrupio apático de renovação sem regeneração, do seu valor agregado, do éter da sua função produção.

            A chegada de um novo trabalhador deve ser momento de celebração, e também de compromisso, de exigência parte a parte, sem braço de ferro ou medida de forças, onde os recursos humanos ao invés de um lugar sobranceiro e de retaguarda, se devem posicionar ao lado, e se necessário à frente deste novo elo, num permanente contacto e confidência que permita uma melhor adaptação das capacidades e expectativas, gestão das dificuldades e resolução de problemas.

            As primeiras semanas e meses são críticos para o trabalhador, decisivos para o seu eficiente entrosamento, integração cómoda, para a inspiração da identidade corporativa e também para uma transpiração saudável da sua individualidade enquanto fração de uma fórmula valorativa na qual estava em falta. É indispensável um acompanhamento de perto da aprendizagem e mestria a desenvolver. O match perfeito mas também a elevação capaz de conceber uma melhor adaptação do trabalhador, enquanto diamante em bruto, é a verdadeira e autêntica missão de um departamento, secção, ou gabinete de Recursos Humanos.

            A fronteira que se vem clivando entre recursos humanos e Recursos Humanos, acelera um abismo difícil de sanar, a mortal separação da cabeça do corpo, o erro dos recursos humanos.

por Filipe Cortesão

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