15 minutos, chegam?


Investir hoje no amanhã. Num sistema de saúde funcional os cuidados primários devem ser a base de uma pirâmide regular. A consulta de cuidados primários, idealmente, deverá proporcionar ao utente uma avaliação holística que permita não só tratar as suas patologias, mas também promover e fortalecer a sua saúde; prevenção e promoção deverão ser duas das palavras de ordem em qualquer consulta de cuidados primários. No entanto, atualmente, o utente e o médico vêem-se confrontados com consultas de 20 minutos que tendem a caminhar para uma flash interview de 15 minutos a breve trecho. Será que estes 20 minutos são suficientes para, por exemplo, se fazer uma avaliação física e psíquica global, tratar a(s) doença(s), fazer rastreio oncológico e ainda promover medidas de saúde? Ou será que as consultas dos cuidados primários se concentram, cada vez mais, no problema que naquele momentum aflige o doente e deixam de ser consultas de cuidados primários passando a ser consultas de cuidados secundários, em que algumas vezes apenas se pode fazer o seguimento das patologias que tiveram alta hospitalar? Mas então, estamos a falar de cuidados primários e consultas em centros de saúde, ou falamos de consultas de cuidados específicos e consultas em centros de doença? Logicamente, deverão ser os cuidados primários a fazer a referenciação para os cuidados secundários, ou serão os cuidados secundários a referenciar para os cuidados primários? E o sistema, deixa de ser centrado nos cuidados primários e passa a ser centrado nos secundários? Uma pirâmide para se manter em equilíbrio necessita de uma base ampla e o seu vértice, por definição, é estreito, mas a pirâmide dos cuidados de saúde parece que assenta sob uma base pontiaguda com um vértice alargado (um bom exercício para se testarem as leis de Newton e tentar encontrar um conjunto de forças balanceadas), ou será que a pirâmide está invertida? A estatística aponta 1,3 milhões de portugueses sem médico de família e uma distribuição de médicos desproporcionada que pela lei natural das necessidades do ser humano e da economia, significa, pois, que menos médicos com mais utentes igual a diagnósticos preambulares, mais utentes sem acesso a verdadeiros cuidados de saúde primários e consequente maior recurso aos cuidados secundários.  A saúde não é um jogo contabilístico, é e deve ser uma preocupação económica. Se hoje, um cuidado supostamente primário é nada menos que um cuidado secundário somam-se perdas económicas. Menos tempo disponível para cada médico identificar a terapêutica adequada aos seus utentes poderá representar um ganho contabilístico no curto prazo, efetivamente, no entanto aumenta a taxa de reincidência da patologia ou de incidência de patologias potencialmente evitáveis, e não sendo o utente um ser ceteris paribus rapidamente voltará a recorrer aos serviços de saúde, desta vez não ao seu centro de saúde mas à urgência de uma unidade hospitalar, onde por sua vez a terapêutica corresponderá a um maior dispêndio final após exames e tratamentos já para não falar em anos de vida ajustados pela qualidade. A saúde jamais deverá ser um jogo de apostas, a saúde deverá sim ser uma preocupação pública onde o investimento no presente representa um ganho para todos nós no amanhã.

by Jaime Ribeiro, Médico
Filipe Cortesão, Economista

Comentários

  1. Muitissimo interessante. Esta proposição/premissa deve ser saúde, com tempo e dinheiro (cabal e respeitado).

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

TIRANIAS DE ALGIBEIRA

O ERRO DOS RECURSOS HUMANOS

O OUTONO