Carta de Despedimento
Certo é que quando nascemos, nascemos para viver e aproveitar o que
esta vida de melhor tem para nós, usufruirmos de todas as maravilhas que
podemos alcançar. Certo é, também, que um trabalho é o facto que
dominará grande parte dos objetivos e fundamentos da nossa passagem pelo
planeta Terra. Já não tão certo mas no qual a nossa realidade nos induz
a acreditar, é que temos de conseguir obter uma formação superior para
um determinado trabalho, numa determinada empresa! E quando as coisas
correm mal? Acabou-se? Ficou ali o nosso plano de vida terrena?
Bem, pretendo com este texto sensibilizar para
algumas questões no momento de tomar uma decisão tão difícil e
perturbadora como o despedimento e não, ao contrário do sugerido pelo
título, apresentar um modelo de carta de despedimento.
Proponho começar por uma questão ou facto, para
desconstruir este papão, bastante simples de perceber. A vida de
qualquer um de nós, é mais do que um simples trabalho, senão vejamos, se
temos trabalho e não temos amigos sentimo-nos infelizes, se não temos
trabalho mas temos amigos sentimo-nos infelizes, se temos trabalho e
temos amigos mas não temos saúde sentimo-nos infelizes, se temos o
melhor trabalho do mundo, os melhores amigos do mundo, respiramos saúde
mas estamos mal com a família então sentimo-nos infelizes e aqui
deitamos por terra com pequenos e fortes exemplos de como o trabalho não
comanda a vida!
Já por outro lado, se nos sentirmos felizes e plenos de saúde,
certamente tendo o trabalho que tivermos sentir-nos-emos bem melhor.
Neste sentido, retomo a questão dos amigos e
interrogo pelo seguinte, somos amigos de todas as pessoas que travámos
conhecimento? E já agora lembramos, falamos, estimamos e cumprimentamos
todos aqueles que considerámos como amigos até ao momento da nossa vida
em que nos encontramos?
Pois bem, pelos caminhos que seguimos escolhemos os
nossos amigos, fazemos as nossas apostas, definimos os nossos
interesses. Trabalhar trata acima de tudo em lidar com um determinado
ambiente, com determinadas pessoas, com determinados métodos e com
determinados interesses, significa pois que tal como nos amigos e nas
mais diversas opções que tomamos na vida, ao escolhermos um determinado
trabalho ou funções a exercer podemos cair num erro de casting e
naturalmente sentirmo-nos desenquadrados, desanimados, incapazes e pior
que tudo frustrados, culpando-nos do erro (ir)remediável que cometemos.
Ora, se escolhemos os nossos amigos, pessoas em detrimento (sem sentido
pejorativo) de outras, será que podemos fazer o mesmo relativamente a
uma oportunidade de trabalho?! Por outro lado, o empregador que investiu
o seu tempo, o seu conhecimento, a sua capacidade de análise poderá
também acusar alguma frustração na escolha de um colaborador que se
sentiu desenquadrado, poderá inclusive assumir alguma desconfiança e
consequente rigidez em futuros processos de recrutamento. Entendo
perfeitamente os dois prismas, muito bem aliás, pelo que coloquemos de
lado alguma ingenuidade e reconheçamos desde já um pacote de facilidades
do empregador em ultrapassar esta situação, das mais diversas formas
desde o coaching, matching colaborador – funções, job rotation, entre outras onde por fim sobra o menos feliz e indesejável, despedimento.
Efetivamente quem procura trabalho, é sujeito (salvo
alguma exceção) a uma pressão emocional e algo distante da sua zona de
conforto que em situação de insucesso produz efeitos devastadores no seu
estado anímico. A minha sensibilização procura focar um aspeto bastante
importante das situações que se façam emergir no contexto aqui
abordado, que se prende com uma má interpretação ou enfoque mal
direcionado num primeiro momento das partes envolvidas, seja o conflito,
a rejeição, a oposição e/ou até mesmo alguma forma de retaliação
naquilo que será uma resposta reativa.
Neste momento, importa então centrar a nossa atenção
na forma como deve ser a abordagem e devido posicionamento de ambos os
protagonistas envolvidos no processo de despedimento (considerando uma
situação regular, apenas empregador e colaborador). Dada a sensibilidade
que esta questão provoca no colaborador num momento tão delicado,
impera desde logo a necessidade de primeiramente ponderar profunda e
racionalmente sobre a decisão a tomar, optando pela via mais difícil
deve então procurar expor ao empregador de forma honesta, humilde e com
toda a clareza a opção tomada de modo a ser clarividente para este quais
os motivos. Sublinha-se a importância de a todo o custo evitar uma
atitude negativa, que desvirtue os verdadeiros motivos e aquele que foi o
empenho enquanto se manteve ativo, sendo de primeira necessidade que a
comunicação ocorra de forma direta, verbalmente, em último recurso
apenas por escrito e jamais uma ausência injustificada. O empregador tem
também aqui a sua responsabilidade, apesar da pressão emocional ser
reduzida em termos comparativos tem por um lado a possibilidade de
tornar aquilo que é uma quebra de motivação, num enorme potencial de
crescimento e produtividade através de estratégias positivas tomadas a priori, ou por outro lado devido ao seu posicionamento preferencial, assumir uma posição a posteriori
não de reação mas sim de ação, cultivando uma abertura facilitadora do
canal de comunicação (uma vez que nesta fase muitas destas decisões
sejam já irrevogáveis), retirar conclusões que possam estar dependentes
da política interna da empresa, do método de integração e boas-vindas a
novos colaboradores, ou a abordagem inicial que permita ao colaborador
sentir-se numa situação de conforto num meio onde inicialmente tudo lhe é
estranho.
A culpa morreu solteira, é o que diz o provérbio, embora o desfecho
negativo e de efeitos devastadores sentidos mais ou menos intensamente
por cada um dos intervenientes, só seja possível exatamente pela
existência e cruzamento das partes envolvidas, devendo existir um
trabalho prévio na adaptação do meio e na adaptação ao meio pelo
empregador e pelo colaborador respetivamente, conscientes da veemente
certeza de que ambos necessitam de igual modo, um do outro.
Deve assim reter-se a necessidade de adequar as
expectativas e direcionar a motivação ao que é pretendido, dando em
qualquer circunstância prioridade à via do diálogo e de uma comunicação
horizontal, transparente que permita a tomada de uma decisão lúcida e
animicamente confortável quer ao empregador quer ao colaborador que se
despede, com a certeza porém de que este último merece uma atenção
especial pela particular vulnerabilidade de que é alvo.
by Filipe Cortesão
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