RETRATOS-OS-MONTES

            Essa pincelada cor de alcatrão que serpenteia de forma confusa profundos montes e altos vales segue uma direção, incerta, como uma ruga num terno rosto. Desperto-me a segui-la, num estado hipnótico, a sua silhueta sem fim, as suas demasiadas curvas e o enlevo que causam em mim! Talvez nem sejam as curvas, talvez nem seja o jeito do pintor, talvez… Talvez seja somente a força que a curva, a rude tela que a suporta, o olhar que a ignora.
            Segue, continua seguindo, presa a um só destino, cobrando a todos que nela se aventuram esse seu castigo. E forçado à sua vontade num sentido só, sigo, sigo por vários caminhos sem que ela o descubra, sigo no silêncio por lugares distantes tão distantes quanto a memória.
            Devaneio percorrendo contornos vários, luzes e sombras, encontro o horizonte oculto nos lugares da imaginação, esse traço do infinito, procuro infinitamente perdido nos recantos infinitos desses vários contornos. Incessante busca, obsessiva, compulsivamente faminta de um infinito sem fim, só mais um pouco… vou-te alcançar! Um pouco mais… E essa tua quase ausência é uma quase presença, nesta quase certeza de que te escondes desta quase incerteza de que serás encontrado. És a chama que chama, como o fumo das muitas chamas que me chamam até ti, que me chamam até ali, ou até acolá e de novo aqui, sinto que saí e fui por aí, por ali e por acolá...
            Inquietude?! Desminto! Curiosidade?! Consinto! Nostalgia?! Sinto! Cada passo é recordado, cada traço é redesenhado, cada memória é recortada, e de mim, vou continuando sem que o eco do encantamento me deixe verdadeiramente partir… Escuta-se sussurrantemente, num segredo inviolado, um ninfático engodo dourado que encanta, seduzindo o trilho que me leva até si, majestoso, altivo e eternamente enamorado. Impõe-se lá no fundo, deleitando-se sem vergonha a um amor maior, aquele que o verga, aquele que o sossega, aquele que o impera, o mesmo que apazigua o seu clamor e à minha chegada silencia o seu choro, e de novo orgulhoso se faz imenso, distante, frio, cauteloso, forçando o adeus na esperança de um regresso. E como dois tímidos apaixonados, denunciados pelo rubor do rosto, num toque inocentemente premeditado, se afastam de olhar fincado um no outro, tentando abreviar a distância que sinfonicamente os separa.
            Tão minúsculo e mundano me sinto que a própria saudade me atraiçoa e o que ela apregoa rapidamente profano, e encorajado pela soberba deixo-me levar num comboio celestial… Ele, que rasga a toda a força a aparente frieza granítica, ele que berra estrondosamente quebrando o silêncio aparente, e então ele avança agilmente, sem o pintor presente, por esse quadro inacabado, quieto, estampado!
            Sou transportado e apenas me é cobrado que permaneça atento à irresistível distração, que me faz ausente, má companhia de viagem, deixando-me levar por esse tapete enrugado que reflete as suas gentes, as mesmas que contrariamente ao seu destino e num satírico esforço o rejuvenescem… Resiste e persiste, orgulhoso de si, numa egoísta impetuosidade, menosprezando os que num zelo (in)glório o enobrecem e admiravelmente num humilde reconhecimento, brotado de nobres mãos tolhidas lapidadas do seu ríspido carácter, as mesmas que o moldaram e o largaram, como ao filho pródigo que não regressa a casa, abraça em seu leito numa paz eterna tão servil amor.
            Estende-se lá no alto, por uma paleta, tão diversa quanto a distância que percorre. Uma paleta de cores e de cheiros! Afrodisíacos perfumes que me enlevam e levam por esse infinito, essa combinação sem fim, como que um horizonte que fracasso em alcançar. E sigo… Saltitando, galgando léguas e montes, caminhos sem destino outrora destinados às raízes de muitas paixões. E de novo…Entro por uma porta, abre-se o cheiro da terra fresca, o sabor do granítico, o aconchego dos tempos, a gentileza dos montes, a sabedoria dos caminhos e a luz das memórias… alucinante memória… Aquela memória de tempos nunca conhecidos, trilhos nunca percorridos, vidas nunca vividas, memórias nunca esquecidas!

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