25 de Abril



Hoje é o dia 25 de abril. Neste dia permanece latente o ano de 1974. Conservamo-lo congelado na arca frigorífica da história e todos os anos o descongelamos e retiramos um bocadinho mais… É aquele baú lá da casa dos avós que apenas se abre quando toda a família se reúne! É um dia… Um dia que aviva memórias, almejado por muitos, indesejado por outros, vivido por uns, sonhado por outros. Muitos o recordam, outros tentam recordá-lo!
Hoje é o dia da Liberdade, ou melhor dizendo, o dia em que nos lembramos e falamos de liberdade. Um dia que foi de apneia para alguns e uma inspiração para outros, um bem investido por alguns e poupado por outros.
Todos falamos de liberdade, todos continuamos a desejá-la e todos relembramos esse dia de liberdade, com o receio de que com o seu esquecimento também essa Liberdade seja esquecida. É enaltecida, inflamada como se de um balão de ar quente se tratasse. Essa chama ardente eleva fumos que na sua negridão ocultam questões cujas palavras não podemos pronunciar, uma espécie de Voldemort da nossa biografia.
Certamente que os capazes obreiros de uma efeméride tão unificadora deste humilde povo, vivem na incerteza de quão certa será a Liberdade que libertaram. Tal grandeza que nobres homens e mulheres projetaram, foi derivada pela equação do tempo e de outras liberdades com o sabor da maçã de Eva, traindo esse Adão que num ansioso desespero tenta segurar firmemente tal bastião.
E continuamos a falar de liberdade… Mas que liberdade é essa? A liberdade de esquecer para depois recordar? A liberdade de viver num medo oculto, ou a liberdade de ocultar as coragens de outrora? A liberdade de ser escolhido, ou a liberdade de nos darem escolhas? Pois bem, falamos de liberdade e é tão somente isso… Falamos!
Cresci a escutar as histórias da Liberdade, desse marco radiante de 25 de abril, a sentir admiração por Salgueiro Maia e Ramalho Eanes, a respeitar aqueles que viram a sua juventude ser usurpada, a vestir orgulhosamente o mesmo traje de valores de Zeca Afonso, Alberto Martins e outros. Emerge em mim a dificuldade de reconhecer a obra desses autores, uma tela em branco… a última tela em branco que ninguém ousa pintar mas desejada por muitos, como se de uma relíquia em si mesma se tratasse.
Erguem-se vozes profanas que já não repetem aqueles que proclamam o santo nome da Liberdade em vão e numa soma herege demandam pelo sentido e direção desses ecos. Caem no pecado da dúvida, indagando a omnipresença dessa força, retratada por aqueles que trabalhando a troco da precariedade têm a liberdade de abdicar do conforto das suas famílias; aqueles que caindo nos infortúnios da sua saúde têm a liberdade de esperar por um tratamento adequado e gratuito; aqueles que sendo pais têm a liberdade de ver os seus filhos emigrar; aqueles que sendo minoritários têm a liberdade do livre acesso à discriminação; aqueles que esperando pela felicidade têm a liberdade de continuar a esperar. Brandos costumes, nos fomos acostumando, minimizando os graves e afiando os agudos, e até a Liberdade, essa Liberdade, teve a liberdade de se tornar branda e um costume, uma coisa pequena, também ela diminuída num libertinismo alimentado por aqueles que ocultam o saber pelo libertinismo do dever; aqueles que fazem seu pelo libertinismo do que é nosso; aqueles que moldam a vontade social pelo libertinismo da vontade umbilical; aqueles que trocam o uso de direitos pelo libertinismo do abuso dos direitos; aqueles que trocaram a larga Liberdade pelo libertinismo de uma liberdade circular!
A Liberdade vai mais longe do que um simples dia, e se um dia a Liberdade chegou, hoje a liberdade chega num dia. E nesse brando costume de perpetuar memórias, devemo-nos acostumar impetuosamente a perpetuar valores.

Viva os Capitães de Abril. Viva o 25 de abril de 1974. Viva a Liberdade.

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