PORTUGAL DOS ISMOS
Atualmente assistir e compreender determinados ciclos da
sociedade, com o fácil acesso à informação, torna-se mais rápido e encontra-se ao
alcance de todos nós. Compreender os fenómenos na origem desses períodos
comportamentais já poderá ser tarefa de menor alcance e apenas possível a
alguns de nós. Desafia-se assim uma reflexão, a cada um dos leitores, no
intuito de intimamente procurarem identificar alguns dos caprichos cíclicos que
interferem com o seu dia-a-dia, direta ou indiretamente.
Podemos
chamar a esses cismas e frenesis, tão somente de “ismo” ou “ismos” e
transportá-lo no bolso das calças, como que uma pequena pedra, alcunha
alentejana, nome do meio, praxe, clipe, ou mero acessório de fácil recurso, um
isqueiro, para aplicar sem dó nem piedade aos vícios adjectivantes que deixam
cada um de nós perplexo com as teimosias sociais que nos ferem o espírito do
razoável como o mosquito que nos entra fulminante olho adentro!
Fazendo uso
dos recursos tecnológicos de hoje, e consultando o dicionário Priberam, passo a
publicidade, encontramos dois enquadramentos gramáticos para “ismo”, sendo um
deles como substantivo masculino significando qualquer doutrina, movimento ou teoria
que não se quer especificar, interessante, e ainda classificado
como sufixo traduzindo-se por sufixo
formador de substantivos abstratos, muito interessante. Talvez mesmo os
menos atentos já tenham percebido que estamos no âmbito da abstração, da
indefinição, transportem agora estas formas de existência para a vossa
realidade…
Rapidamente
nos ocorrem umas quantas possibilidades, aliás atrevo-me a dizer que é um menu
para todos os gostos e cada um encontrará aquele que melhor lhe agrada, ou
melhor dizendo desagrada. Qualquer lista telefónica concorre com o número
infinito de possibilidades, pelo que sugiro apenas quatro, talvez os quatro
mais básicos, mais comuns e talvez por isso os mais arreliantes, sem que por
aqui tenhamos de ficar e cada um de vós poder explorar outros tantos, pelo que
proponho nada menos que o “chico espertismo”, o “doutorismo”, o “nacional
porreirismo” e a mais recente entrada na lista, o “vieirismo”.
Tal
como a corrida aos supermercados, a romaria ao Algarve no verão, o comprar do
ovo da Páscoa, as roupas mais quentes e mais frescas, também estes “ismos”
derivam ao sabor da corrente com um certo oportunismo (ora, mais um ismo).
Parece-me que a própria ordenação apresentada, além do mero acaso acerta também
na crescente evolução da básica complexidade de cada uma dessas teorias que não
se querem especificar, em português corrente, teorias da batata. Neste sentido,
o “chico espertismo”, velho conhecido de todos nós e sem qualquer descrédito ao
chico, também o encontramos no referido dicionário como adjetivo e substantivo
masculino dizendo-nos que ou quem se acha
muito esperto ou mais esperto do que os outros e ainda, prestem bem
atenção, que ou quem age de modo
oportunista e por vezes desonesto, desrespeitando regras em proveito próprio. Diversos
são os momentos, as oportunidades (lá está), a atualidade com que nos surge o
chico espertismo, líder de audiências, e que num momento sensível como este brotam
em megafones, como cogumelos, falando de tudo e de nada mas sobretudo de nada,
sabendo mais de nada do que outros, do que nós. Assim qualquer um de nós pode
facilmente ser um ou uma chico(a) esperto(a), aliás basta sabermos mais que um
chico esperto, e teremos logo aí uma legião de fãs chamando-nos de chico
esperto, um verdadeiro reconhecimento, título honorífico que noutros tempos nos
daria direito a ocupar o trono. Tudo não passa de uma falácia. O genuíno chico
esperto jamais admitiria ser ultrapassado e jamais o seria, pois ele finta as
regras e manipula o “sensorialismo” como uma ciência exata, guiando os mais governáveis
por caminhos de desonesta esperteza, uma espécie de culto, cultivada como as
sementes que caíram no meio das pedras na Parábola do Semeador.
Estamos
perante uma corrente que se perde na espuma da impressão mas que nem pela sua
fraca matéria impede que o caminho se adense e as respostas se tornem mais
difíceis, contudo sem envolvendo os demais consigo e sem exceção compondo-se de
outros “ismos” como o doutorismo… Soa a uma espécie de síndrome. Seguindo o
trilho que começa a perder rasto, dividindo a expressão como manda a regra,
obtemos doutor + ismo, cabendo na primeira parte, de acordo com o mesmo
dicionário acima utilizado, mestre,
aquele que ensina e ainda pessoa que se
acha muito sábia ou sabedora; pessoa pretensiosa em relação ao que sabe (o
dito sabichão), acrescentando o “ismo”, teríamos então o doutor do abstrato ou doutor
da teoria que não se quer especificar, no fundo, no fundo, um doutor do nada. E
assim numa fuuuusão à boa moda do Dragon Ball encontramos o par perfeito desta
nossa história. Se os há que queiram ser doutores à força, também os há que não
querem a força dos doutores. E tal como no velho exemplo obrigaríamos a que um
matemático para saber que um triângulo tem três lados, teria de se cruzar com
um triângulo a viajar de comboio ou a passear no parque! Os doutorismos, rivais
de John Locke que bebem da fonte do conhecimento, água desmineralizada por um
púcaro de esmalte, pelo menos garantem assim espaço para uma mão cheia de sindicâncias
na tertúlia da beringela recheada, o lugar predileto a congeminar um puré de
ideias assentes não no princípio de que saber é poder mas sobretudo de que
poder é saber!
E
assim, como Romeu e Julieta, Hansel e Gretel, de mão dada a saltitar de
sabicheza em sabicheza, fruto de um amor profundamente sóbrio como o de Bocage
e Gertudes, o filho único mais que desejado, nasce assim o denominado “nacional
porreirismo”. É como que jogar à melhor de três!
Recordando
um colega de outras vidas, oriundo da humilde localidade de Meruge, dizia ele
que porreiro vinha de porra, coisa ou
facto incómodo (entre outras) e só por aí adivinhamos o que temos pela
frente. Como em equipa que ganha não se mexe, regressando ao recorrente
dicionário e uma vez mais desconstruindo para reconstruir, encontramos nacional
como adjetivo de dois géneros relativo à
nação e feito ou produzido no país,
um verdadeiro selo de qualidade que rivaliza, ao nível de uma luta de galos,
qual deles o de crina maior, com o slogan o
que é nacional é bom. E como verdadeiro produto nacional, ei-lo o porreiro,
enquanto adjetivo que agrada ou tem
qualidades positivas, enquanto substantivo masculino aquele que inspira simpatia, porreiro pá!
O
resto da história já vocês sabem, juntam-lhe um bocadinho de fel, e com a
certeza de que o que é doce nunca amargou, arrepia-vos a face antes mesmo de
provar que a este cozinhado basta adicionar em quantidade q.b. o “ismo”.
Nacional porreirismo, é isso. Aquele bater da mão nas costas, acompanhado de um
ingénuo antes tu que eu e por isso
mesmo conta comigo, se tu fores eu vou
atrás. E atrás da simpatia dessa seleção nacional, de equipamento uniforme
e slogan irrevogável, ouvimos os cânticos da nacional simpatia do nada e somos
driblados pela técnica de como passar por
entre os pingos da chuva enquanto ficamos em pleno relvado, encharcados até
ao tutano, à espera do minuto 45+1.
O
marcador já passa da hora e por vezes nem um Cristiano ou um Messi são capazes
de resolver, é preciso um ponta de lança à maneira, uma espécie de Éder mas
como em tudo não basta ser engraçado, é preciso cair em graça e não tinha graça
nenhuma se algum deles caísse no pecado original do “ismo”. Chega pois uma
vedeta, diríamos que o trinco desta seleção, o vieirismo. Pelo dicionário cujas
páginas não gastamos estamos perante um substantivo feminino molusco bivalve daquelas que quando se
apanham pouco ou nenhum conteúdo molusco têm e se têm apenas marcham de
cebolada, podendo ainda ser concha de
romeiro (demasiado digna) ou usada como medalha ou insígnia de pessoa
condecorada, e recordando o nosso “ismo” podemos dizer então que estamos
perante um molusco que não quer se especificar ou uma condecoração abstrata,
uma mão cheia de nada mas nada é aquilo que encontramos na maioria das vieiras
que apanhamos do mar.
Sendo
uma recém aposta dos “ismos”, é uma espécie de buraco negro, para onde conflui
a maioria dos “ismos” numa comunhão cósmica, patrocinada também pelo afamado Padre
António Vieira. Conhecido, ainda que não só, pelo sermão aos peixes desenvolveu
a arte que muitos agora empregam de pregar aos peixes embora estes últimos
evolucionistas o façam mesmo sem peixes. Paula Pinheiro aponta tamanho génio como
uma espécie de revolucionário numa época marcada pelo absolutismo, e como quem
conta acrescenta um ponto chegou até ao vieirismo de hoje uma espécie de
absolutismo numa época revolucionária, uma corrente contra cíclica que prescreve
o expoente máximo das sobremesas, a derradeira salada de fruta dos “ismos”.
Através
dos tempos derivou-se assim do conhecedor da realidade, o humanista cristão que
escarnava pelas palavras a corrupção de outrora, no mastigador de pastilha
elástica sem sabor cuja única realidade que conhece são os balões dos seus corruptos
suspiros que profanamente escarnam a humanidade formando numa genuína parada de
eunucos que defendem os tiranos contra os
pais ao som do nosso Zeca.
Acautelem-se
meus caros, pois como toda a moda que vai e volta, mudam-se os tempos mas não
se mudam as vontades e estas fincam-se por permanecer longe do buraco negro, da
enxada que cava na ignorância, esterilizando o chão onde cai a semente do medo,
secando as raízes dos “ismos”.
Todas
as invenções têm o seu fim, e alguns fins são verdadeiras invenções, atentemos
aos meios para que não haja meio de atingir certos fins!
Comentários
Enviar um comentário