PORQUE CHILREIAM AS CRIANÇAS

    O rebuliço encorpava o frenesi atípico, dos corredores de uma acácia, cujas flores amarelas se douravam pelo incidente betar que brotava por entre a sedosa pincelada, de um cirro alvo, no céu azul aguarela. Era dia vinte e um de março, esperava-se o toque de uma campainha piedosa, pelas quinze horas de uma sexta-feira, a convocatória extraordinária, redigida à pressa, chegara por pombo-correio, com a mesma urgência que aquele inaudível apelo, inteligível à inocência, chegava de um recreio ansioso, no silêncio. 

    Uma convulsão ritmava, a conjuntura arboral, ao compasso do baloiçar de pernas, um palpitar passeriforme do coração, o pensamento sem aljube, encarcerado no horizonte distante do olhar, escutando a constituição de uma regra sem regras que transcende o folheado reboco, à contagem de cada segundo, afinado pelos intervalos de uma titilante liberdade que numa certeza, apenas sua, parece que se vai e que depois vem. Na realidade, nunca foi, nunca chegara a partir, já chegou, ou teria chegado, já aqui estava antes mesmo de o ser, de ser procurada, desejada. Ensaiava-se um coro, a sinfonia de um bater de asas agudo a vibrar com a corrida grave, numa régua de notas musicais que se afinavam num dócil embalar, réplica de um original irreproduzível, misturado por uma fácil solução de cores e traços, na ponta de um lápis que parecia desenhar sigilosamente as pautas que cantavam em sincronia, uma igualdade desapercebida, nos contrastes orfeónicos. 

    Urgia uma desordem em bando, por entre bicos e picos, plantas e chantas, numa conspiração orientada por dois universos, em semelhante tamanho, rabiscados por estrelas cadentes germinadas nos mais puros sonhos que fugazmente se intercetam, num toque e foge enamorado, de uma benjamim paixão, clamada timidamente na correspondência perdida pela candura daquela regência, comprometida no rubor do pólen abnegado de dois narcisos. 

    Perfila-se um xadrez intuitivo de reis e rainhas, onde o imperador pacífico é absoluto, denunciado pelo seu manto, como o bom pastor, aconselhado pelo mimoso saber do seu cajado, no conforto de uma veterana samarra, nas suas pregas guarda nuns filiados esgalhos, tocadas a ouro, de reluzente fosco, as chaves de cinco pontas, abrem esperanças do tamanho de um mundo maior do que as raízes que se estendem para além das suas forças. O malhete reclama o silêncio, da palavra dita que não volta, exigindo o fim do bulício que antecipava começar, e se alguma vez terminou, pois qual será o verbo do pensamento, capaz de o impedir, ou tão pouco atrasar, da sua natureza que é, e do ser que será. 

    Rematavam argumentos em direções várias que se ramificam à velocidade da corda que salta antes do relógio alarmar. O tic-tac, a dois tempos, flauteava a austeridade da assembleia como a benevolência da ágora por um ponteiro vendado que se delegava tanto na verdade quanto o maestro na batuta. Os acordes se afinavam ao ouvido, numa tonalidade irradiada por um sol maior que aquecia em surdina uma plateia de iníquos. Debatia-se o alegro concerto, era a anarquia da ordem de trabalhos. Deputava um oligopólio de solos palreados legislando, a partitura dum acústico tagarelado na mesma frequência que revogava a afonia de uma ópera democrática de baixos e tenores. Batem-se virtuosamente, num monismo parlamentar, pelos direitos de um plágio franqueado na arte de bem furtar, as cordas que se confinam na voz do trovador sem patente. 

    Cifram-se penas e coimas, por proibições epidérmicas, a julgar no auditório de um juiz sem veste mais alto que o altar. Tomam fôlego para arguir, sem réu que condenar, num ensaio sem guião, inocentes as cordas, madeiras e percussão, defendem os figurantes na sua cantata entoação. A algazarra serôdia adia a fanfarra para outra reunião, a votação continua sem grande ciência, um-dó-li-tá, e parecia unânime o consenso em discordar, à solução ninguém se atrevia, apressava-se o intervalo a terminar. Esganiçava-se a ata, a votação num adágio afinar, era urgente uma decisão, ameaçava em crescendo o conselho disciplinar. Entre o sufrágio que planava e a nomeação que aterrara, num alarido sustido, de inadiável mandado, detém-se o corrupio. É hora de entrar. 

    Na autoridade de uma veemente fermata deferida, despoticamente, da altivez do estrado apossado, rebela-se tal impetuosidade num ricochete magistral, impelindo o altricial chalrar, como um hermes exonerado, no uníssono tombo dum largo cogitar. Prostra-se apátrida a um hino atonal, deixando a egrégora, diplomata num enclave, nomeá-lo sem clave. Refém da patriotada arguida, sem árbitro para tal, colhido por um tato depenado, repenicando à capela por socorro imediato, estribilha o conselho num canto chorado que o concertino seja libertado. Prometem absolvição. Soltando um infante gracejo, uma ode angelical, o trauliteiro admirado, num clamar coloquial, pegando no passarinho, avisa o docente do imprevisto, confessando que o vai devolver ao ninho. Estupefacta a fraternidade, na sua devoção, estava confusa com aquele dueto de ocasião. As crianças perdoadas pela sua infração, cantarolavam imaculadamente uma nova canção. Os passarinhos catatónicos, com tal facto a deliberar, de renovadas esperanças, exigem novo ponto à ordem, para aos sócios indagar, porque chilreiam as crianças?


por, FILIPE CORTESÃO

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